05 agosto 2011

Obama se rende no acordo quanto à dívida

ARTIGO DE PAUL KRUGMANN - economista estadunidense

Um acordo para elevar o limite da dívida federal dos Estados Unidos está sendo negociado. Caso venha a ser implementado, muitos comentaristas alegarão que escapamos ao desastre. Mas estarão errados.

Pois o acordo mesmo, ao menos de acordo com as informações disponíveis, é um desastre, e não apenas para Obama e seu partido. Ele danificará ainda mais uma economia já deprimida; provavelmente agravará o problema do deficit norte-americano em longo prazo, ao contrário de aliviá-lo; e, acima de tudo, ao demonstrar que a extorsão pura e simples funciona e não acarreta custos políticos, levará o país a avançar consideravelmente no caminho para o status de república das bananas.

Comecemos pela economia. No momento temos uma economia em profunda depressão. Quase certamente continuaremos a ter uma economia profundamente deprimida durante todo o ano que vem. E é igualmente provável que a economia continue deprimida até 2013, se não por ainda mais tempo.

A pior coisa que se pode fazer em circunstâncias como essas é reduzir os gastos do governo, porque isso deprimirá a economia ainda mais. Não preste atenção àqueles que invocam a fada da confiança, alegando que ação severa quanto ao orçamento vai restaurar a confiança das empresas e consumidores, fazendo com que gastem e invistam mais. As coisas não funcionam dessa maneira, fato confirmado por muitos estudos sobre situações históricas.

Na verdade, cortar demais os gastos em um momento de depressão econômica não ajudará muito quanto aos problemas orçamentários, e pode até agravá-los. Por um lado, as taxas de juros sobre a captação federal de recursos são muito baixas no momento, de modo que um corte nas despesas pouco fará para reduzir os custos futuros do serviço da dívida. Por outro lado, enfraquecer a economia agora também prejudicará suas perspectivas de longo prazo, o que por sua vez reduzirá a arrecadação futura. Assim, as pessoas que exigem cortes de gastos agora são como os médicos medievais que tratavam as pessoas com sangrias, o que na verdade agravava suas doenças.

E temos os termos reportados do acordo, que representam uma rendição abjeta por parte do presidente. Para começar, haverá grandes cortes de gastos sem elevação na arrecadação. Em seguida, uma comissão fará recomendações para reduções adicionais do deficit --e caso essas recomendação não sejam aceitas, teremos novos cortes de gastos.

Os republicanos supostamente terão um incentivo para fazer concessões, na próxima rodada de negociações, porque os gastos com a defesa estarão entre as áreas sujeitas a cortes. Mas o partido oposicionista acaba de demonstrar sua disposição de provocar um colapso financeiro do país a menos que obtenha tudo que seus membros mais extremistas desejam. 

Por que esperar que se comporte de modo mais razoável da próxima vez?

Na verdade, os republicanos certamente se sentirão encorajados pelos constantes recuos de Obama diante de suas ameaças. Ele se rendeu em dezembro, prorrogando todos os cortes de impostos da era Bush; ele se rendeu no segundo trimestre, quando a oposição ameaçou paralisar o governo; e se rendeu em grande escala a uma manobra de extorsão aberta quanto ao limite da dívida. Talvez sejam meus olhos, mas vejo um padrão nisso.

E mesmo agora o governo Obama poderia ter recorrido a manobras jurídicas para contornar o limite para a dívida federal, recorrendo a algumas das diversas opções de que dispunha. Em circunstâncias comuns, seria uma manobra extrema. Mas, diante da realidade do que está acontecendo, a saber, extorsão aberta da parte de um partido que, afinal, controla apenas uma das casas do Legislativo, essa saída seria completamente justificável.

No mínimo, Obama poderia ter usado a possibilidade de uma manobra judicial para contornar o limite à dívida como forma de reforçar sua posição de negociação. Mas em lugar disso, descartou completamente o recurso a uma solução legal já no começo das negociações.

Assumir uma posição dura não teria preocupado os mercados? Provavelmente não. Na realidade, se eu fosse investidor, me sentiria reassegurado, e não chocado, por uma demonstração de que o presidente está disposto e tem condições de resistir a chantagens da parte dos extremistas de direita. Em lugar disso, ele optou por demonstrar o oposto.
 

Não se engane: o que estamos testemunhando agora é uma catástrofe em múltiplos níveis.

Para começar, se trata evidentemente de uma catástrofe política para os democratas, que poucas semanas atrás pareciam ter forçado os republicanos a bater em retirada quando expuseram seu plano para desmantelar o programa de saúde federal Medicare; Obama desperdiçou essa vantagem. E os danos apenas começaram; haverá novos momentos de decisão em que os republicanos poderão ameaçar criar uma crise a não ser que o presidente se renda, e agora podem agir confiando que ele o fará.

Em longo prazo, porém, os democratas não serão os únicos a sair perdendo. O que os republicanos conseguiram aprontar coloca em questão todo o nosso sistema de governo. Afinal, como a democracia norte-americana pode funcionar quando o partido mais disposto a ser implacável e a ameaçar a segurança econômica nacional ganha o poder de ditar políticas? E a resposta é: ela talvez não funcione.
TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

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