07 janeiro 2011

Primeira medidas fiscais de Dilma

Reprodução da análise da Auditoria Cidadã da Dívida (www.divida-auditoriacidada.org.br) sobre a continuidade da política de ajuste fiscal em nosso país.

Os jornais deste final de semana destacam o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, no qual ela afirma que “encerramos um longo período de dependência do Fundo Monetário Internacional, ao mesmo tempo em que superamos a nossa dívida externa”.

Porém, conforme comentado diversas vezes por esta seção, as políticas impostas pelo FMI continuam sendo implementadas, a exemplo do forte ajuste fiscal a ser definido nos próximos dias. Segundo a Folha Online, “A presidente Dilma Rousseff abre seu primeiro dia útil de trabalho, amanhã, definindo o tamanho dos cortes de gastos necessários para equilibrar o Orçamento. Ela se reúne logo pela manhã com o ministro Guido Mantega (Fazenda) e seu secretário-executivo, Nelson Barbosa, para tratar da questão do ajuste fiscal.” Por sua vez, o jornal Estado de São Paulo informa que “Técnicos trabalham num bloqueio preventivo de todo o Orçamento de 2011.” No sábado, o Ministro da Fazenda falou novamente em ajustes e reforçou o discurso de cortes de gastos, conforme mostrou o Portal G1. Segundo o Ministro, é necessário fazer um ajuste fiscal que garanta de fato o cumprimento da meta de superavit primário.

Tal política mostra que a dívida não foi superada, e continua sendo, cada vez mais, o centro dos problemas nacionais, pois para pagá-la, vultosos gastos sociais continuam sendo cortados.

Outras políticas do FMI também continuam vigentes, tais como as reformas da previdência, que continuam reduzindo cada vez mais as aposentadorias, por meio de mecanismos impostos pelo Fundo, tais como o Fator Previdenciário. O Portal G1 traz afirmação do Ministro da pasta, Garibaldi Alves:

“A reforma da Previdência sempre é um desafio que se apresenta como as outras grandes reformas que o país tem pela frente. Agora, só quem pode dizer como será e qual a dimensão da reforma será o próprio governo através da liderança da presidente”. Conforme já antecipado na edição de 8/12/2010 desta seção, o Ministro já incorporou o falacioso discurso de rombo da Previdência. No sábado, ele afirmou: “Eu estou ainda me inteirando da situação, não tenho nenhuma fórmula milagrosa [para reverter o rombo]”.

Já no caso da saúde, o governo Dilma também segue a visão defendida por instituições multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, de que o principal problema seria a gestão dos recursos, e não a falta dos mesmos. A Agência Câmara mostra que o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, considera que “é preciso mudar a gestão da saúde no Brasil”, e que “o fato de o governo ter maioria no Congresso facilitará a discussão de projetos de interesse do País.”

Ou seja: tais afirmações indicam que o governo Dilma irá trabalhar para aprovar no Congresso o Projeto de Lei Complementar (PLP) 92/2007, de iniciativa do Poder Executivo, que institui as chamadas “Fundações de Direito Privado”, que privatizam serviços públicos essenciais como saúde e educação e retiram direitos dos servidores públicos. O Projeto já se encontra pronto para votação no Plenário da Câmara.

Ou seja: diferentemente do discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, o país continua aplicando as políticas recomendadas pelas Instituições Financeiras Multilaterais.

A presidente disse também, em seu discurso de posse, que a dívida externa teria sido superada, sob o argumento de que o país deteria reservas em dólares suficientes para pagar toda esta dívida. Porém, cabe comentarmos que grande parcela da dívida externa é simplesmente omitida da contabilidade geralmente divulgada pelo governo. Esta parcela é formada pelos chamados “empréstimos intercompanhias”, ou seja, dívida das filiais de multinacionais com suas matrizes no exterior, que chegaram a US$ 91 bilhões em novembro, conforme Tabela do Banco Central, Quadro 51.

Conforme esta mesma tabela, o total da dívida externa é de US$ 338 bilhões, bastante superior aos US$ 286 bilhões das reservas internacionais, constante no Quadro 4 da mesma Tabela disponível na página do Banco Central. Além do mais, esta montanha de reservas foi feita às custas de mais dívida interna, que paga os maiores juros do mundo, e por isso é muito mais rentável aos investidores, também porque é denominada em reais, que tem se valorizado frente ao dólar.

Ou seja: mesmo que o país usasse todos os dólares de suas reservas para pagar a dívida externa – o que nem sequer é possível – estaria-se meramente trocando uma dívida por outra, que paga juros muito mais altos e possui prazos bem mais curtos.
A falácia da “superação da dívida externa” também não resiste a diversos outros fatos, tais como o de que a dívida externa não é a única despesa feita com as reservas, que também podem cobrir, por exemplo, as vultosas remessas de lucros das multinacionais aqui instaladas para suas matrizes no exterior, que geram grande rombo nas contas externas brasileiras.

Outro trecho do discurso de posse de Dilma Rousseff mostra que esta política deve continuar:

“Continuaremos fortalecendo nossas reservas externas para garantir o equilíbrio das contas externas e bloquear, e impedir a vulnerabilidade externa”.

Portanto, parece que o desequilíbrio das contas externas continuará a ser coberto pelo acúmulo de reservas, às custas do aumento da dívida “interna” que paga os juros mais altos do mundo.

Um argumento também utilizado por Dilma é de que as reservas serviriam para impedir a “vulnerabilidade externa”, ou seja, impedir fugas de capitais durante crises financeiras. Porém, a melhor forma de impedir tais fugas – sem gerar uma imensa dívida – é o controle sobre o fluxo de capitais.

Em seu discurso, Dilma também afirmou que “É, portanto, inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade”. O risco é que, por trás deste argumento de “simplificação” e “racionalidade”, esteja a intenção de Dilma de insistir na proposta de Reforma Tributária apresentada pelo governo em 2008, que extingue contribuições para a Seguridade Social (que reúne as áreas de Previdência, Assistência e Saúde), unificando tais tributos em um “Imposto sobre Valor Agregado”. Isto fragilizaria as fontes de recursos da Seguridade, que assim poderiam ser redirecionadas para o pagamento da dívida.

Conforme mostra o jornal O Globo, a redução da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamento - um dos pontos desta Reforma de 2008 - já foi ordenada por Dilma à sua equipe. Tal proposta também pode fragilizar as contas da Seguridade Social, e assim fortalecer o falacioso discurso de déficit da Previdência, como justificativa para reformas que tiram direitos dos trabalhadores.

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